hilda hilst bot
@hildahilstbot_
trechos das obras de hilda diariamente | @scvrfvvce
Pra onde vão os trens meu pai? Para Mahal, Tamí, para Camirí, espaços no mapa, e depois o pai ria: também pra lugar algum meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti.
Enquanto tu morrias, Ehud, minha carne era tua, e disciplina e ascese tudo que me pretendi para livrar o coração de um fogo vivo, ah, inútil inútil os longos exercícios, a fome do teu toque ainda que me recusasse (...) Enquanto tu morrias eu te abraçava numa fúria alagada (...)
Porque esta noite olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
Ser terra e cantar livremente o que é finitude e o que perdura.
E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos, azuis, brancos e amarelos hão de gritar: morte aos poetas! Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados de infância, o plexo aberto, exposto aos lobos.
Me fiz poeta porque à minha volta na humana ideia de um deus que não conheço, a ti, morte, minha irmã, te vejo.
Ainda me tens. E bem por isso destila em mim teu peso enorme.
Entre o amarelo e o rosa, a lua nova, na vida também nova, ressurgia.
Em minhas muitas vidas hei de te perseguir. Em sucessivas mortes hei de chamar este teu ser sem nome.
Você não tem nojo de Jesus? Você acha que é lícito todo aquele caminho de sacrifícios, de renúncia, de crucificação? A gente se sente culpada por ele até a morte. Você acha que ele quis nos salvar?
É como explicar à crisálida que ela é casulo agora e depois alvorada, é como explicar o vir a ser de um ser que só se sabe no AGORA, ai como explicar o DEPOIS de um ser que só se sabe no instante?
(...) o teu Deus é um porco com mil mandíbulas escorrendo sangue (...) nos cuida assim como os homens cuidam das cobaias (...) insaciável, dizendo: venham meus filhos, venham alimentar-me. O teu Deus está por aí, bocejando com duas bocas: numa, um hálito fétido, noutra, uma rosa.
(...) olhe, esse teu fechado tem muito a ver com o corpo, as pessoas precisam foder, ouviu Hillé? te amo, ouviu?
Antes da minha morte eu tocava nas coisas, sim, tocava-as, mas não descobria o mais fundo, os meus dedos apenas deslizavam e aquele toque era fugidio, e a sensação daquele toque não se fixava em mim, apenas existia enquanto eu estava ali, tateando. Agora, tudo faz parte de mim.
De ti mesma, de um poder que te foi dado alguma coisa clara se fez? Ou porque tudo se perdeu é que procuras nas vitrines curvas, tu mesma, possuída de sonho, tu mesma infinita, maga, tua aventura de ser, tão esquecida?
Verdade é o que tu me dizes: o amor, poeta, é alegria.
E posso me ferir no gelo das espadas se me quiseres banhada de vermelho.
Antes da sombra, Lucius, quero dizer da dor de não ter sido igual a todos. Minha alma velha buscava entendimento. Quero dizer da dor mas não sei dizer. Estou sangrando por todos os buracos.